Na noite passada tive um pesadelo. Sonhei que uma bruxa malvada jogou um feitiço sobre mim e sai magoando todas as pessoas que me amavam. Enfeitiçada, não sabia mais sorrir; enfeitiçada, não sabia ouvir. O feitiço foi tão forte, tão forte, tão forte que me paralisou por dentro (coração, alma e pensamento) e por fora (olhos, ouvidos, o tato). Fiquei completamente estranha a mim mesma. Andando sempre cabisbaixa e sem dar atenção a ninguém, voltando-me somente para a maldade, rispidez, medo interior, as pessoas pelas quais sempre tive muito carinho se afastaram. Não dei a mínima. O feitiço era também anestesia. Anestesiei o bom senso, o altruísmo. Comecei a pensar somente em mim, mim, mim, mim! O que eu queria, o que eu sabia, o que eu achava, o que eu pensava! Eu, eu, eu! Sempre eu! E aquela menina de antes, com o coração de luz e alma furta-cor se tornou cinza, ficou apenas num retrato em preto e branco mordido por traças. A bruxa malvada era poderosa. Fez de tudo pra que eu perdesse a minha identidade, me esquecesse de quem era e passasse a ser exatamente como ela. Descobri porque bruxa é tão feia como é: por causa de tanta sujeira interna, um rosto, um corpo não conseguem ser bonitos fora. Quando só se tem lama de dentro, mosquitos cercam por fora. E nesse pesadelo insano e doloroso fui me tornando bruxa. O sonho ficou escuro, chovia o tempo todo e eu não sentia nada. Foi num momento curto e essencial que tudo mudou. Com a chuva constante, forte, grossa, que batia na pele e machucava, uma poça se formou logo adiante. Cansada, perdida, sozinha... Parei. Foi quando olhei a poça e vi no reflexo o que estava me tornando. Horroroso, doloroso, feio de ver. Mas foi o que quebrou o encanto. Essa água que caia da tempestade dos céus - por mais tenebrosa que parecesse - era pura, cristalina, assim como a minha alma escondida num corpo assombroso. E olhando o meu reflexo vi duas pessoas: a que eu era e a que estava sendo. Uma fosca, outra brilhante; uma limpa, outra suja; uma sorria, outra chorava... Foi então que uma voz muito próxima a mim, falou: "Poção e quebra de feitiço, bruxa e fada, cegueira e portas d'alma... Tudo isso é você. Aí dentro mora mil cadeados e mil chaves... Quinhentos bons, quinhentos ruins. Basta você saber separar." Era verdade, então. Eu era a bruxa de mim mesma e só eu poderia me libertar. Cai de joelhos sobre a poça d'água e pedi, pedi que isso tudo não passasse de um pesadelo. Seis mãos se estenderam para mim nesse momento. Mãos conhecidas, queridas, as com os melhores toques desse e de todos os outros mundos imagináveis. Seis mãos me ajudariam a reerguer. Seis mãos me ajudariam a limpar a sujeira. Mãos, que abandonei quando enfeitiçada e que, mesmo assim, não me deixaram. Sabiam do feitiço e que ele acabaria. Acordei assustada, suando frio, tremendo e fui logo me olhar no espelho. Eu ainda era eu, mas com uma diferença: Agora eu sabia que bruxa também tem nome de ego e que isso mora dentro da gente e pra libertar, basta um pisão em falso. Então joguei água no rosto, percebi que aquilo poderia ser realidade. Chorei. Mas, em seguida percebi que se eu quisesse ser pra sempre fada encantada, jamais bruxa, mãos, corpos, bocas e olhos estariam ali para mim. O que quebra o feitiço é o amor. O próprio. O do outro. O que vem de Cima. Adormeci ainda assustada, mas com a certeza de que, às vezes, o pesadelo serve pra acordar a gente de um feitiço que o sonho não seria capaz de quebrar.
Isa G.