sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Pesadelo

Na noite passada tive um pesadelo. Sonhei que uma bruxa malvada jogou um feitiço sobre mim e sai magoando todas as pessoas que me amavam. Enfeitiçada, não sabia mais sorrir; enfeitiçada, não sabia ouvir. O feitiço foi tão forte, tão forte, tão forte que me paralisou por dentro (coração, alma e pensamento) e por fora (olhos, ouvidos, o tato). Fiquei completamente estranha a mim mesma. Andando sempre cabisbaixa e sem dar atenção a ninguém, voltando-me somente para a maldade, rispidez, medo interior, as pessoas pelas quais sempre tive muito carinho se afastaram. Não dei a mínima. O feitiço era também anestesia. Anestesiei o bom senso, o altruísmo. Comecei a pensar somente em mim, mim, mim, mim! O que eu queria, o que eu sabia, o que eu achava, o que eu pensava! Eu, eu, eu! Sempre eu! E aquela menina de antes, com o coração de luz e alma furta-cor se tornou cinza, ficou apenas num retrato em preto e branco mordido por traças. A bruxa malvada era poderosa. Fez de tudo pra que eu perdesse a minha identidade, me esquecesse de quem era e passasse a ser exatamente como ela. Descobri porque bruxa é tão feia como é: por causa de tanta sujeira interna, um rosto, um corpo não conseguem ser bonitos fora. Quando só se tem lama de dentro, mosquitos cercam por fora. E nesse pesadelo insano e doloroso fui me tornando bruxa. O sonho ficou escuro, chovia o tempo todo e eu não sentia nada. Foi num momento curto e essencial que tudo mudou. Com a chuva constante, forte, grossa, que batia na pele e machucava, uma poça se formou logo adiante. Cansada, perdida, sozinha... Parei. Foi quando olhei a poça e vi no reflexo o que estava me tornando. Horroroso, doloroso, feio de ver. Mas foi o que quebrou o encanto. Essa água que caia da tempestade dos céus - por mais tenebrosa que parecesse - era pura, cristalina, assim como a minha alma escondida num corpo assombroso. E olhando o meu reflexo vi duas pessoas: a que eu era e a que estava sendo. Uma fosca, outra brilhante; uma limpa, outra suja; uma sorria, outra chorava... Foi então que uma voz muito próxima a mim, falou: "Poção e quebra de feitiço, bruxa e fada, cegueira e portas d'alma... Tudo isso é você. Aí dentro mora mil cadeados e mil chaves... Quinhentos bons, quinhentos ruins. Basta você saber separar." Era verdade, então. Eu era a bruxa de mim mesma e só eu poderia me libertar. Cai de joelhos sobre a poça d'água e pedi, pedi que isso tudo não passasse de um pesadelo. Seis mãos se estenderam para mim nesse momento. Mãos conhecidas, queridas, as com os melhores toques desse e de todos os outros mundos imagináveis. Seis mãos me ajudariam a reerguer. Seis mãos me ajudariam a limpar a sujeira. Mãos, que abandonei quando enfeitiçada e que, mesmo assim, não me deixaram. Sabiam do feitiço e que ele acabaria. Acordei assustada, suando frio, tremendo e fui logo me olhar no espelho. Eu ainda era eu, mas com uma diferença: Agora eu sabia que bruxa também tem nome de ego e que isso mora dentro da gente e pra libertar, basta um pisão em falso. Então joguei água no rosto, percebi que aquilo poderia ser realidade. Chorei. Mas, em seguida percebi que se eu quisesse ser pra sempre fada encantada, jamais bruxa, mãos, corpos, bocas e olhos estariam ali para mim. O que quebra o feitiço é o amor. O próprio. O do outro. O que vem de Cima. Adormeci ainda assustada, mas com a certeza de que, às vezes, o pesadelo serve pra acordar a gente de um feitiço que o sonho não seria capaz de quebrar.

Isa G.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Do amor... Só quero amor

Do bem que ele me faz, eu quero a continuidade; da saudade que ele me dá, quero a presença; dos sonhos que compartilhamos, quero a vida mais bonita. Da vida que levamos... Quero o aconchego. Das brigas que travamos, eu quero o perdão; dos abraços e carinhos... A essência. Das palavras não ditas, o abraço que reafirma o silêncio de amor; dos dias que passam sozinhos e demoradamente, quero o reencontro. Quero o encontro.
Rubem Alves que me perdoe. A saudade pode até ser encantamento mas, é o ver chegar, é chegar de mansinho, é andar sobre trilhos a caminho desconhecido, vendada e no escuro com todas as incertezas do mundo e com uma só certeza no coração que encanta de verdade. A alma é poção de amor.
Das mãos dadas, quero o laço; dos entrelaços, a confiança. Quero fazer diferente. Dos medos, quero o sumiço; das tristezas, só o sorriso; do futuro... O agora.
Quero que o amor seja livre de ameaças, ponderaçõs, pré-requisitos e simulações. Quero que seja inteiro, verdadeiro, do jeito que tiver de ser. Que seja diferente para cada um, mas que seja com todas as letras A-M-O-R! E que seja grande assim: sem medidas, despedidas, dor. Que seja puro e livre de todos os males externos, livre de toda descrença de quem não sabe o que é amar.
Das despedidas, quero o até logo; dos olhares, o brilho mais intenso; das estrelas, a história mais bonita, das palavras, as sinceras.
Quero o bom dia, boa tarde, boa noite; quero no pensamento ter sempre coisas boas, lembrar e ser lembrada; Quero surpresa e surpreender; crescer e voltar a ser criança. Quero ser livre de qualquer pensamento maligno, livre de toda sujeira d'alma, de todas as máscaras sentimentais. Quero que as palavras venham quando quiserem, que a saudade apareça quando for verdadeira, que as lembranças acometam na tentativa de diminuir a distância entre dois.
Quero o gesto, a palavra, o beijo; o abraço, consolo, o anseio; quero os dias, a fé, felicidade, amor. Do amor... Só quero amor.


Isa G.




quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A menina e o pássaro encantado


Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo.
Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.

Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão…

— Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti…

E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.

Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.

— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.
E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.
— Tenho de ir — dizia.
— Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar…— E a menina fazia beicinho…
— Eu também terei saudades — dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar.
Assim, ele partiu. A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz…”
Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.
Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro…
— Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade, o amor ir-se-á embora…
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo…
Até que não aguentou mais.
Abriu a porta da gaiola.
— Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres…
— Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso de partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar…
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia.
— Que bom — pensava ela — o meu pássaro está a ficar encantado de novo…
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra.
— Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…
Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. Ah!
Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltará amanhã….”
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.

Rubem Alves

Dedicado à quem se despede com frequencia das pessoas amadas e por vezes não suportam ou compreendem a saudade. =)

Quanto a ausência, peço desculpa, mas
logo, logo postarei algo novo!
Aos novos seguidores: Muito
obrigada pelo carinho =)
Beijos ;*

Isa G.